quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Gambá

O gambá, todas as noites, percorre o mesmo percurso. Habita o forro da casa. O cachorro, quando o avista, late desesperado. O gambá, porém, ignora o cão e os seus latidos frenéticos. Quando está para descer do seu novo hábitat, permanece no galho da árvore que dá acesso ao telhado como que zombando do vigia, que a cada dia que passa, late com mais vigor.

    De quando em vez, o gambá urina lá de cima do forro. O líquido escorre pelas paredes internas do edifício. "Ui, que odiado!", diz minha mãe, prometendo para si que no dia seguinte chamará o Nenê, o jardineiro e o responsável pela organização da propriedade, para capturar o inquilino indesejado.

    A captura é feita com cachaça. O bichinho é louco por uma cachaça. Bebe e sai cambaleando, trôpego. Por esse motivo é que se diz: "tá mais bêbado do que um gambá".

    Tem dias que o barulho que vem do forro de madeira da casa, para os ouvidos desavisados, parece ser o barulho de alguma pessoa, um ladrão talvez, que penetrou a morada. Corre de um lado a outro no teto da sala. Não tenho certeza se é apenas um gambá que habita o forro ou se uma família inteira – pai, mãe e crias. Nunca estudei a fundo o comportamento de um gambá. Sei apenas que é um marsupial, parente próximo do canguru. Lá na região serrana, o pessoal costuma chamá-lo de raposa. Acho que é porque ele, às vezes, ataca os galinheiros em busca de alguma galinha desatenta. Deve ser por isso.

    Ele agora deu em morar nos forros de nossas casas. Por ser ele um animal arborícola, o motivo para tal atitude deve ser o desmatamento causado pelo homem. Não vejo outra razão melhor para tal comportamento. Haja vista ser o homem um dos seus predadores, matando-o apenas por conveniência.

Assim como um ladrão, invadiu a morada como se fosse um sem-terra. Mas para o nosso inquilino em questão, sua parceira e suas respectivas crias, o termo mais adequado seria sem-teto. Estão como que a reivindicar a posse da casa própria. Ou a motivação que o leva a tal comportamento deve estar relacionada à cachaça. O gambá tornou-se um alcoólatra inveterado.

Depois de alguns dias, minha mãe cumpre o que prometido a si mesma. Ao entardecer, tá lá o Nenê com a sua arapuca e o engodo – a cachaça.

Prepara tudo. A cachaça é colocada em um recipiente – na verdade uma lata de sardinha – que é posicionado bem ao centro da armadilha. Basta o invasor pisar o interior do embuste, que o mesmo se fecha, encalacrando, dessa forma, o posseiro.

Na hora prevista para a descida do gambá, ficamos todos ansiosos e espiando para ver se o bicho cai na cilada. Não sem antes prender o cão. Permanecemos mais ou menos uma hora aguardando o surgimento do animal perseguido. De repente, o focinho do bicho aponta por entre as telhas e a parede de tijolos. Hesita. Fareja. Parece que está desconfiado de algo. Aponta o focinho na direção da arapuca. Fica como que envolvido pelo olor da cachaça. Sai, enfim, de sua morada.

Para. Olha em redor como que farejando o seu destino. Desce até a metade da árvore-escada. Para novamente. Hesita por mais alguns instantes. Desce à calçada aonde a morte o espera com um bocado de cachaça. Fareja. Chega finalmente à arapuca. Mas o bicho é esperto. Seus movimentos são calculados. Aproxima-se do pote. Mete o focinho, esticando o pescoço por entre as grades da armadilha. Não chega a entrar na armadilha. Suga o líquido e sai ileso e cambaleando como que zombando de nós.

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