Naquele
domingo a filha de João Antônio e Maria da Graça nasceu. Veio ao mundo
naturalmente, sem ajuda de parteira nem de auxílio médico, apenas na presença
de seu pai e de sua mãe.
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João Antônio foi até a prateleira e pegou uns panos limpos.
Súbito lembrou-se da água evaporando no fogão. Verteu então a água fervente da
chaleira em uma bacia de metal toda torta pelo uso. Tornou a encher a chaleira
e reforçou o fogo com mais pedaços de lenha. Levou a bacia com os panos para o
quarto.
Maria da Graça estava de barriga para cima, em posição de
parturiente, com as pernas semiabertas e os joelhos levantados. João Antônio fez
umas compressas com os panos e colocou-os por sobre o ventre avantajado da
mulher. “Se pelo menos a mãe da mulher ou o padrinho Guinas chegasse, bem que
poderiam me ajudar com essa encrenca”, refletiu.
Juntou os dois travesseiros de pena de galinha e ajeitou-os
debaixo da cabeça da esposa. A agonia da dor fazia com que Maria da Graça
forçasse para fora a vida que tinha dentro de si. João tentou ajudar a mulher
como pôde, mas Maria, em meio aos gemidos e gritos, disse para que ele se
afastasse. O homem, vendo-se inútil, saiu do quarto a fim de procurar a velha
tesoura de tosquiar as ovelhas no galpão contíguo à morada.
Encontrou sem dificuldade a tesoura dependurada em uma das
paredes do galpão. Estava um pouco enferrujada e suja, pois desde a última
tosquia que não a usava. Lavou-a no coxo que fica do lado de fora e levou-a
para casa, mergulhando-a, por fim, no fogo por alguns instantes para esterilizá-la.
De repente fez-se silêncio. Logo depois ouviu, vindo do
quarto, não os gemidos da mulher, mas o choro estrepitoso de um bebê. Correu e
avistou a mulher, banhada em suor e sangue, com uma criança nos braços. Maira
da Graça sorriu e chorou ao mesmo tempo ao avistar o seu homem no limiar da
porta. Mas não teve forças para dizer uma palavra sequer.
João Antônio, sem se afobar nem desesperar, pois sabia que
aquilo era uma coisa natural, fez a volta para buscar a tesoura imersa no fogo.
E de volta ao quarto, tratou de cortar o cordão umbilical. Ali, naquele momento,
ele soube exatamente tudo. Sua vida agora tinha um propósito. Era pai, e ali
estava a sua filha, o seu sangue, a sua vida.
Depois, com a filha em suas mãos e a voz tremida pela emoção,
disse para mulher, “É uma menina”. Segurou as palavras para não deixar que as lágrimas
escorressem de seus olhos e anunciou: “Maria Antônia! Esse vai ser o nome da
bichinha.”