sexta-feira, 27 de maio de 2011

O curupira

Naquela noite quente de novembro, João Antônio se preparava para caçar tatu. Era tempo de lua cheia. O cachorro Campeão ficou eufórico quando viu o dono preparar os petrechos – se bem que pra caçar tatu não precisa muita coisa, basta um bom facão, e olhe lá!
Alguns dias antes, João Antônio embrenhou-se na mata para ofertar alguns presentes ao curupira para que a caçada lhe saísse bem, pois o danado do monstrinho é tinhoso que só ele. João Antônio também sabe que é sempre bom levar pra caçada um fumo em corda para oferecer ao curupira. “Mesmo assim, o desgramado pode enganar a gente”, dizia tio Guinas contando-lhe os causos.
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Chegou a hora da caçada. Homem e cão saíram em direção à mata. O caminho estava bem iluminado pela lua que crescia pros lados da invernada grande. O canino ia à frente apontando a direção a ser tomada. Na beira do capão, cambaram à esquerda, embrenhando–se nas enormes vassouras que cresciam por ali.
Dentro de pouco tempo, Campeão mostrou-se inquieto. Corria afobado de um lado a outro, cuincando como um louco. Era o curupira, o defensor da floresta, que estava aprontando uma das suas. Corria ao encalço do pobre animal, chicoteando-o com um ramo para que o cão perdesse o rastro do tatu.
João Antônio, vendo a cena, apalpou os bolsos a procura do fumo, mas se atrapalhou todo e não encontrou nada. De repente, sentiu que algo o tocava pelas costas. Virou-se e viu um ser estranho, de cabelos rubros e pés às avessas. Era o curupira fazendo-lhe cócegas. O homem começou a rir descontroladamente e também saiu correndo como um doido-varrido. O demoinho faz isso para atordoar os caçadores para que se percam nas florestas.
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           Quando deu por si, João Antônio estava sozinho e perdido no meio da mata e a caçada resultou em nada.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Tem lugar pra mais um

João Antônio caminhava pelo chapadão quando o tempo começou a fechar. Negras nuvens surgiram no céu tempestuoso. Faltava ainda um bom pedaço de chão para chegar a casa. Não havia uma alma viva naquele ermo. O frio era intenso e o escuro da noite era um breu só.
Não demorou muito, a chuva começou a cair. Uma chuva constante. Os grossos pingos caiam pesados sobre o caminhante. Perto dali, coisa de meia hora de caminhada, havia um velho cemitério abandonado. João Antônio não queria passar por perto, mas não havia outra solução senão cruzar a várzea aonde o campo-santo fora plantado, pois, se tivesse que dar a volta, a viagem tornar-se-ia muito extensa e ele não queria demorar-se mais.
“É... pelo jeito vou ser obrigado a passar pelo meio desse cemitério. Cre’m Deus Pai” – disse essas palavras benzendo-se todo.
Súbito lembrou-se das histórias e causos que o tio Guinas lhe contava quando criança. Histórias sobre o Gritador, a Mulher de Branco, o boitatá e as almas penadas que voltavam para assombrar as pessoas. Quando deu por si, estava já nas proximidades do cemitério. O coração começou a bater descompassado, quase que lhe saltando pela boca, quando avistou os antigos jazigos de pedra.
“Virge’ Nossa Senhora”, disse e benzeu-se novamente.
Estava no centro do cemitério quando, de repente, uma voz grave e lúgubre de um vulto saindo de entre os túmulos acenou-lhe convidativamente.
“Ô, amigo, pode vir que tem lugar pra mais um aqui!”
A voz veio das profundezas da noite e João Antônio não teve tempo para mais nada senão deitar o cabelo numa carreira angustiante. Não quis saber nem ficou sabendo se a voz era de alguém deste ou se do outro mundo.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Quem vem?

O frio daquele dia de inverno fez com que o povaréu se apertasse no interior da nave para ouvir a mensagem de paz e amor que o vigário dizia. O padre celebrava a missa domingueira com muito entusiasmo. Agradecia ao Senhor pela vida que levava naquela pequena cidade interiorana lá dos campos de cima da serra. Lá pelas tantas, o Joaquim Pinguço adentra pela porta central da igreja, causando um leve constrangimento nos fieis que estavam no fundo da construção. O bêbado chegou chegando. Cambaleava e esbarrava nos crentes, que, horrorizados, maldiziam o pobre bebum. O padre, percebendo o burburinho, resolveu interferir e botar ordem na casa:
“Um dia, quando o Senhor vier...”
“Ah, vem...” – gritou o Joaquim Pinguço interferindo no discurso do sacerdote, que continuou sem dar muita atenção.
“O Senhor, quando vier novamente nos visitar aqui neste mundo, todos teremos a paz tão desejada.”
No que o povo respondia no ato:
“Amém!”
Logo em seguida, a voz surgiu lá do fundo da capela, destoando das demais. Era o Joaquim Pinguço que dizia novamente, segurando a parede lateral da construção:
“Ah, vem...”
Todos olharam estarrecidos para o atrevido. O vigário, um pouco desconcentrado, tentou retomar o fio do pensamento do discurso.
“E Deus, olhando para nós, pobres almas aflitas, virá nos acudir!”
“Amém!”
“Ah! Vem...”
Outro constrangimento. Desta vez o cura não teve mais paciência e foi logo dizendo:
“E esses bêbados e vagabundos que ficam vagando pelas ruas da nossa querida cidade, incomodando a todos com sua falta de educação. Pra esses aí, eu vou chamar é a polícia!
E o Joaquim Pinguço não teve outra saída se não dizer:
“Ah, essa vem...”
E saiu de fininho apoiando-se nas paredes da Casa do Senhor.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Morrendo...

Era uma família humilde e sem muitas posses. O patriarca daquela pequena família era o seu Juca. Era um senhor de idade avançada e estava muito adoentado. Todos que o conheciam já não tinham muitas esperanças de que o pobre homem reconstituísse a sua boa saúde.
Numa noite de fins de agosto, o pobre do seu Juca, muito fraco e com a saúde fragilizada, sentiu um mal estar tremendo. A mulher, dona Catarina, viu o marido naquele estado lastimável, pálido como um fantasma, e cujas forças esvaindo-se como areia em ampulheta, saiu numa gritaria desesperada pelas ruas da cidade, pensando que o acamado estava de partida para o mundo dos pés-juntos.
Pouco tempo depois, a casa do seu Juca estava apinhada de gente. Os parentes e os vizinhos próximos foram os primeiros a chegar. Os curiosos, que nada tinham com o assunto, estavam todos ali de butuca à espera de algo.
Lá pelas tantas da madrugada, o coitado do seu Juca deu um suspiro profundo seguido de um gemido seco, tal qual o de um moribundo que expira. O padre, que lá estava, foi logo dando a extrema-unção. Por falta de vela, pois a família era de poucas posses, alguém sugeriu que depusesse nas mãos do falecido um tição para fazer às vezes da vela.
Estavam todos ao redor da cama rezando e velando o esticado. Foi quando o seu Juca, assim como quem volta de uma longa viagem ao outro mundo, abriu os olhos e viu aquele mundaréu de gente murmurando orações à sua pobre alma. De repente, deparou-se com o tição preso em suas mãos. Estranhou. Ficou pensando calado e olhando àquelas pessoas e não entendendo nada. Ninguém se deu conta de que o moribundo estava olhando atônito aquele episódio inédito. Súbito, o seu Juca diz com ar de grande filósofo:
– Morrendo... E aprendendo.