sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A lenda do quero-quero


     – 'Tio' Guina, como é aquele causo do quero-quero?
    – Ah! Esse é bom – disse 'tio' Guina depois dar uma tragada no seu palheiro. – Foi assim: a Sagrada Família ia atravessando o deserto, que era um descampado igual a estes campos aqui de cima da Serra, para fugir dos soldados mandados pelo rei Herodes para assassinar todos os recém-nascidos, porque um deles poderia lhe tirar o trono. Lá pelas tantas, a Família encontrou um oásis. Ali ficou por algum tempo, rodeada de aves e animais terrestres que ali viviam. Maria tratou logo de dar um banho no Menino Jesus numa sanga, enquanto José verificava os mantimentos e fazia a vigia. Não demorou muito os soldados apontaram numa coxilha. Nesse momento, a bicharada começou uma algazarra sem igual. Gritava, cantava, trinava. Maria, muito nervosa, ordenou que parassem com o barulho. Todos pararam de imediato. Mas uma ave teimosa não queria parar de cantar e continuava gritando.
    "Quero! Quero!"
    A Virgem ficou muito furiosa e ordenou para que o passarinho calasse o bico. Mas o bichinho teimoso não parava de repetir:
    "Quero! Quero!"
    Foi por pouco que os soldados não pararam para ver o que sucedia. Não deram importância àquele matraqueador e seguiram viagem. Maria foi logo tirar satisfação com a ave:
    "Ei, passarinho! Tu queres ainda continuar cantando?"
    "Quero! Quero!"
    "Pois então, de agora em diante, tu só vais cantar a mesma música, esse grito de quero-quero!"
    E é por isso que o quero-quero, até os dias de hoje, não sabe dizer outra coisa.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A lenda do Gritador


Os tropeiros deram água à cavalhada e armaram um pequeno acampamento no capão próximo às margens o rio Lava-Tudo. Dentro de poucos minutos a água fervia na chocolateira. O pó do café foi posto diretamente na água. Depois, um tição em brasa foi atirado dentro da chocolateira. Isto faz com que o pó desça para o fundo do vasilhame.
Tomado o café, 'tio' Guina ficou um instante pensativo olhando o fogo fixamente. Com calma, começou a falar:
– Há uma lenda de um tal de Gritador que vive nas beiras dos rios e dos tembés assustando quem passa por perto. Diz' que era um homem que vivia por esses campos e que, quando moço, judiava que só ele do seu pingo. O cavalo vivia que era só pele e osso. Não dava água nem comida pro coitado do animal. Numa noite, a mãe do guri aproveitou que este dormia e soltou o cavalo. Mas quando o rapaz despertou e viu o que a mãe fizera, ficou que é um touro xucro. Amarrou a mãe num palanque e encilhou-a que nem a um cavalo e deu de esporear a pobre mulher até a coitada sangrar-se toda. A mãe, humilhada, depois que o filho parou com a judiaria, amaldiçoou-o dizendo que quando ele morresse, não iria para o céu, e, sim, passaria a eternidade vagando e gritando de dor por esses campos a fora. E foi o que aconteceu. Na mesma noite em que o rapaz morreu, ouviram um grito muito estranho e lamentoso ecoando pelas matas. Até hoje o Gritador vive assustando as pessoas. Quando alguém escuta o Gritador, não pensa em outra coisa senão deitar o cabelo e sair em disparada...

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Uma literatura que engatinha


Desde os primeiros dias de 2011, comecei a pesquisar (e ainda estou pesquisando) algumas lendas e causos da região serrana aqui do estado de Santa Catarina e que pretendo reescrevê-los e publicá-los aqui no blog. Já tenho redigido algumas dessas histórias, mas ainda estou buscando novos causos em livros e sites da internet. Temos muito pouco do assunto publicado aqui no estado. O que pretendo é dar a minha contribuição para esta falta.
Santa Catarina é um estado que tem muitas lendas e histórias populares trazidas pelos nossos colonizadores, mas, infelizmente, quase nada ou muito pouco se tem registro escrito. Têm-se muita coisa publicada referente às lendas da Ilha ou da região litorânea. Mas do planalto serrano e do interior, muito pouco é encontrado.
A literatura produzida em Santa Catarina ainda engatinha. Temos, no entanto, grandes escritores. Alguns consagrados, como Cruz e Souza, e outros tantos reconhecidos pela crítica, como Salim Miguel e Cristovão Tezza. Todavia o grande público desconhece até mesmo os autores contemporâneos mais comentados ou de maior exposição nas mídias – internet, televisão, mídia impressa etc., como os dois autores citados acima.
Esse problema só se agrava ainda mais pela falta de interesse de nós catarinenses que não nos importamos pela nossa cultura nem tampouco pelo que se produz de arte neste estado. Se nós, catarinenses, não dermos a atenção necessária para os nossos artistas ou escritores e para a nossa história e cultura, quem dará?

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A lenda da gralha-azul


    O fim de tarde se aproximava quando 'tio' Guina apontou no chapadão. O velho tropeiro vinha da direção dos campos de Lages, montado numa mula, repontando uma tropa. Aquela noite passaria ali, pois no despontar da manhã seguinte, sua viagem continuaria para os lados da Serra, ruma à Laguna.
    O velho tropeiro, com mais de sessenta anos na cacunda, era conhecido apenas por 'tio' Guina. Apeou com um pouco de dificuldade, pois o tempo e a idade já o maltrataram as cadeiras, e dirigiu-se ao galpão aonde os outros homens o esperavam com o mate para espantar o frio.
   "Conte logo um causo pra nós, 'tio' Guina!" – gritou um dos tropeiros passando-lhe a cuia.
   'Tio' Guina olhou de soslaio para o homem e observou que os outros estavam ansiosos para ouvir o causo. Bombeou o mate e, depois, com calma, pôs-se a falar:
   "Diz' que há uma lenda da tal da gralha-azul, dessas que avoam e vivem gritando pelo pinhal. Os pinheiros, e é verdade, sempre nascem um bem pertinho do outro. Diz' que é a gralha que planta. É o que falam por essas bandas... Ela se alimenta do pinhão, mas é um bicho tão cobiçoso que pega mais pinhão que aguenta comer, então ele vai e enterra os pinhões aqui e ali pra guardar pra comer depois. Só que o tempo passa e o bichinho já não se alembra mais aonde foi que enterrou todos os pinhões, daí é que nasce esse pinheirame todo. E é por isso que não se pode matar nem caçar a gralha-azul. Quando um caçador aponta uma arma pr'uma gralha, a arma engasga e nega fogo."