sexta-feira, 29 de abril de 2011

O ovo e a cachaça

Joaquim Pinguço era o bêbado daquela pequena cidade do interior do estado. Todos o conheciam. Andava sempre na sarjeta cambaleando feito um gambá. A criançada morria de medo daquela triste figura que não fazia mal nem a uma mosca. Quem o conhecia, bem sabia que era uma boa pessoa, apesar do vício. Vivia sempre só. Volta e meia ouvia-se os seus discursos. Não passava de um solilóquio sem nexo. Falava sabe-se lá o quê. Eram ininteligíveis as suas palavras devido à bebida que enrolava a sua língua.
Certo dia, o doutor Olavo passava em frente ao bar no centro da cidade e lá estava o Joaquim Pinguço, mais tonto que piá em chapéu-chinês. O doutor, vendo o coitado naquele estado, resolveu ajudá-lo.
– Oh, “tio” Joaca, você tem que se ajeitar na vida, desse jeito vai acabar esticado em alguma sarjeta. A cachaça vai é matar o senhor!
– Pois, olha dotô, me mata, mas não me estraga...
– Mas o senhor já está estragado, homem do céu!
O médico, vendo que não tinha mais solução, resolveu provar por A + B que a cachaça o estava matando aos poucos.
– Veja bem um negócio aqui, “tio” Joaca. Vou mostrar o quê que a cachaça está fazendo com você.
O doutor pediu ao bodegueiro um copo de cachaça e um ovo cozido. Colocou o ovo dentro do copo com a cachaça. Depois de alguns instantes, o ovo começou a pretejar.
– Viu, “tio” Joaca, o que é que acontece com o ovo dentro dessa cachaça toda!
– Vi sim, doutor.
– Pois então me diga o que é que o senhor vai fazer?
O bêbado pensou por alguns segundos e disse, cheio de convicção:
– Juro pela minha mãezinha que tá lá no céu que nunca mais vou comer ovo na vida, doutor!

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Coisas que acontecem

Naquela manhã o “tio” Gaspa acordou indisposto com uma dor aguda na barriga e se sentindo pouco enjoado.
– Tô meio feio das tripas – disse pra mulher.
– Vai ver foi o abuso na cachaça e mais as safadezas de ontem à noite – disse a mulher com um sorriso envergonhado.
– Tô veio, mas não tô morto! Pode até ser... mas acho bom mesmo eu ir é pra cidade fazer uma consulta no compadre ‘tor Olavo.
Arrumou os trens para a viagem e se debandou no seu velho fusca. Era uma manhã de sol e a cidade estava apinhada de gente. Pessoas que iam e vinham pelas calçadas e ruas. A fisgada na barriga continuava intermitente.
“Tio” Gaspa estacionou o fusca bem próximo ao consultório do doutor e saiu correndo para não perder tempo, pois as fisgadas aumentavam-lhe o desconforto.
O doutor Olavo, quando viu o amigo na sala de espera com uma cara não muito boa e com a mão na barriga, espantou-se com a visita inesperada e chamou-o logo para a consulta.
– Oh, “tio” Gaspa, o quê que foi homem? Tá com essa cara de quem ouviu o Gritador!
– Pois olha, “dotô”, acordei hoje com umas fisgadas na barriga e meio enjoado... uma ânsia danada... até parece que as tripas vão sair tudo pra fora...
– Deixe eu dar uma olhada nessa pança... mas acho que já sei o que é... – disse o médico com um sorriso meio sarcástico e já querendo aprontar uma pro amigo. Verificou que não passava de um pequeno mal estar e que não era nada grave. Mesmo assim, fez uma cara grave e disse com ar de preocupação:
– Olha, “tio” Gaspa... eu não sei nem como dizer... é uma coisa muito séria! Nem sei como lhe contar... É que às vezes acontecem umas coisas na vida da gente... mas eu vou dizer mesmo assim. O senhor está grávido!
– Grávido! Mas como, “dotô”?
– Ora! Acontece nos homens também! É raro, mas às vezes acontece...
O “tio” Gaspa ficou uns instantes sem dizer nada e depois falou esmurrando o ar, indignado:
– Pois eu disse pra muié onte’ à noite que esse negócio de ela vir por cima não ia dar certo...

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Os contos dos vigários

Foi um dia de muita alegria e diversão. As crianças brincavam e corriam pelos campos em derredor. Os mais jovens apostavam nos leilões de prendas e se enamoravam nas barracas do beijo e se deliciavam com as maçãs do amor. Barracas de churros, pipoca e algodão doce fervilhavam naquela quermesse do interior.
Terminados os festejos para arrecadar dinheiro para a diocese, os três padres das paróquias participantes do evento se reuniram para contarem o dinheiro e fazerem a devida divisão: uma parte para a Igreja e outra para o Senhor.
Foi então que o primeiro padre falou, com aquele sotaque italiano com laivos de latim que é típico dos padres:
– Para uma divisão certa do dinheiro, sugiro que façamos um círculo no chão afim de que, ao lançarmos o dinheiro para o alto, o que cair do lado de dentro do círculo, será do Senhor, o restante será para a paróquia.
Pensaram calados por alguns instantes e o segundo padre, um pouco menos generoso para com o Senhor, falou:
– Façamos então apenas um risco neste mesmo chão. Joguemos, da mesma forma, o dinheiro para as alturas e o que cair para o lado de lá será do Senhor e o que calhar para este lado, será para a paróquia, amém!
Refletiram mais um pouco e o terceiro padre, vendo que os métodos sugeridos pelos outros dois não seriam muitos vantajosos para a paróquia, trouxe uma outra proposta que seria, essa sim, muito lucrativa para a Igreja.
– Sugiro que apenas lancemos aos céus do Senhor estas poucas migalhas que ora recolhemos. Se Ele recusar é por que não Lhe apetece tamanha fortuna.
E assim foi feito...

sexta-feira, 8 de abril de 2011

A lenda da origem do milho

Os índios, em suas aldeias, viviam um período de extrema penúria. Não plantavam roças nem cultivavam alimentos. Os curumins já não brincavam mais e andavam jururus com suas barrigas vazias, pois os alimentos e as caças não mais existiam. Os mais velhos viviam desconsolados e passavam os dias deitados em suas esteiras esperando que Tupã lhes enviasse dos céus algum maná. As mulheres lamentavam a falta de alimentos e o estado de pobreza em que viviam. Os homens não mais saiam para caçar nem pescar, pois a caça havia sumido da face da terra.
Era tanto o sofrimento que um dia dois índios amigos, da tribo dos guaranis, recorreram aos poderes de Nhandeyara, o grande espírito. Mas eles sabiam que o pedido dependia de um sacrifício. Resolveram, mesmo assim, arcar com as consequências a verem sua tribo e seus amigos fenecerem, à míngua.
Certa noite, no meio da mata, surgiu-lhes um enviado de Nhandeyara:
– O que desejam do Grande Espírito? – perguntou o enviado.
– O que desejamos é uma nova espécie de alimento para alimentar o nosso povo, pois não há mais caça nem frutos para comermos.
– Tudo bem – respondeu o mensageiro. – Nhandeyara os atenderá. Mas, para conseguirem o que querem, devem lutar contra mim, até o mais fraco perder a vida.
Os dois índios aceitaram o acordo e se atiraram ao enviado do grande espírito. Durante algum tempo pelejaram. Só se ouvia o ofegar dos lutadores e o baque dos corpos atirados ao chão. Não demorou muito o mais fraco caiu, sem vida.
O amigo, enternecido, enterrou-o nas proximidades do local.
Na primavera seguinte, brotou, como por encanto, uma linda planta de grandes folhas verdes e espigas cor de ouro na sepultura de Awa’ti, esse era nome do índio. Em homenagem a ele, os guaranis deram o nome de awa’ti, ao milho, seu novo alimento.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A bondade é inerente ao ser humano


A bondade é inerente ao ser humano. Assim como a nossa capacidade de amar e de sorrir. Os animais às vezes parecem que estão sorrindo, mas, na verdade, não passa de um simples ricto. O único animal capaz de esboçar um sorriso ou expressar seus sentimentos de maneira plena é o ser humano.
Rir é um ato humano. Rir é próprio do homem. Rir da vida, das situações embaraçosas às quais nos deparamos. Nessas ocasiões, o riso toma ares irônicos, de onde surge a nossa ironia. A risada sarcástica. O humor satírico. Nesses momentos, a nossa bondade, que é então o assunto desta crônica, é deixada de lado. E essa bondade já está inserida no nosso pacote desde o momento da nossa concepção. Somos seres dotados de bondade.
Por outro lado, também carregamos na nossa bagagem uma dose de ódio, de raiva e de toda e qualquer ruindade. Somos seres maus por excelência. Praticamos o mal o tempo todo. Somos maus para com os nossos semelhantes; maus para com os animais; para com as nossas florestas; para com o nosso planeta. Enfim, maus para nós mesmos. E é justamente isso o que está sendo discutido aqui neste espaço: essa nossa perda da prática da bondade.
As catástrofes naturais, como a ocorrida no Rio de Janeiro no início do ano e o grande terremoto seguido de tsunami no nordeste do Japão, são momentos para por em prática essa bondade. Quando nos deparamos com calamidades desse tipo, brilha dentro de nós uma chama, a chama da Bondade. E essa chama nos faz lembrar que somos, antes de tudo, seres Humanos.