sexta-feira, 24 de junho de 2011

Nem tudo se perde

João Antônio encilhou a égua tordilha. Ia levar o sal para o gado que ficava mais distante da sede da fazenda e verificar como andava aquele rebanho arisco que quase não vê gente. Ia ver também se as vacas que estavam prenhes já tinham dado à luz e se tudo estava em ordem naquelas paragens distantes. Era final de agosto e as vacas estavam dando cria.
Meia hora depois de sair, os três – homem, égua e cão – chegaram onde estava reunido o gado. João Antônio sabia por experiência que a tropa, àquela hora da manhã, estava no antigo rodeio próximo à tapera do João Maria, um antigo morador daquela região. Por costume de anos e anos, o gado preservou o local como parada. Lá estava a gadaria. Ao verem os três se aproximarem, alguns bois e cavalos ariscos saíram numa correria sem rumo. “Uêra, gado gavião!”.
No rebuliço, João Antônio percebeu que não avistara uma das vacas, a brasina, justamente a que mais o preocupava, pois estava pra criar e umas das poucas daquela tropilha xucra que era amansada e serviria pro leite na fazenda. Contou a tropa, depositou o sal nos coxos feitos de troncos e saiu à procura da brasina.
O cachorro campeão foi à frente tentando encontrar o rastro da rês desaparecida. O frio daquele início de manhã era quase insuportável. A égua tordilha resfolegava ao passar por ente as vassouras e galhos que, de tão secos, arranhavam as mãos desprotegidas do ginete.
Não demorou muito, ouviu alguns mugidos distantes. Logo avistou a vaca numa clareira. Aproximou-se. A vaca estava assustada. De repente, ouviu um ronco vindo do interior da mata que fez com que a égua corcoveasse, quase levando o ginete ao chão. O cachorro Campeão também se assustou com o urro e se escondeu atrás da égua. A vaca brasina investia e bufava contra uma macega a um canto da clareira, de onde vinha o ronco assustador.
Era um leão-baio que estava rondando o terneiro recém-nascido. O bicho urrava e mostrava as suas presas. A vaca brasina tentava defender o filho com investidas e bufadas. João Antônio esporeou a égua e foi ao encontro da fera, gritando e gesticulando para assustar o bicho que, sujo de sangue, mostrava os dentes e urrava. Campeão foi pra cima do animal, latindo e rosnando. Conseguiram, por fim, espantar o felino.
No entanto, não foi possível salvar o bezerro. Este já se encontrava morto e estraçalhado. A mãe berrava inconformada. “Pois é, contra a morte a gente não pode fazer nada”, conformava-se João Antônio, deixando ali mesmo o cadáver para que o leão-baio terminasse o serviço que começara.
Tentou tocar a vaca, mas foi em vão, pois a pobre mãe não queria, de jeito nenhum, abandonar o corpo inerte do filho. A solução foi laçar a brasina e lavá-la para a sede da fazenda para apojá-la. Perdeu um terneiro, mas pelo menos não perderia a vaca de leite.

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