sexta-feira, 17 de junho de 2011

Rejeitado

Era o tempo da procriação. O sol ainda estava por despontar e o clarão no horizonte avançava de modo a espantar o escuro da noite. Quem mirasse o campo do potreiro não avistava um animal se quer naquele descampado coberto pela geada que prateava o pasto. Tudo estava vazio e deserto.
Os animais usados no dia a dia da fazenda, o cavalo de lida e as vacas do leite com os seus terneiros, estavam todos recolhidos na mangueira, que de tão apinhada fazia com que subisse um vapor da respiração daquele gado paciente. No galpão estavam as ovelhas. Muitas delas estavam já com suas crias. Outras, com suas barrigas abauladas, ainda estavam por dar à luz.
¨
Quando João Antônio abriu o portão, assim de vereda, as ovelhas puseram-se a correr pelo galpão. No rebuliço, alguns anhos perderam-se de suas mães. O galpão encheu-se de poeira e balidos. Nesse exato momento, uma das ovelhas estava procriando. No corre-corre, o rebento foi se despencando da mãe, que de tão assustada pareceu não se dar conta de que o filho se lhe desprendia do corpo, esborrachando-se na terra de chão batido.
A ovelha não foi mais capaz de aproximar-se nem lamber nem tampouco sentir-lhe o cheiro para identificá-lo como seu. A pobre criatura abandonada, ainda coberta pela placenta da mãe, tentava, a todo custo, apoiar-se pelas próprias pernas. Todo o rebanho ficou olhando, estático, o infeliz que mal veio ao mundo e mãe já o negara.
João Antônio, que fora o causador de tal desdita, também estacou no portão de acesso ao galpão e permaneceu observando o triste borrego rejeitado.
“Ovelha é bicho arisco, mesmo. Se assusta por qualquer coisa. Por qualquer barulhinho ou movimento que a gente faça, já nega a cria” – disse pra si mesmo.
João Antônio resolveu amparar o bichinho e tentar fazer com que a mãe se aproximasse para cheirá-lo e lamber-lhe a placenta. Tudo em vão. A mãe desnaturada ignorara-o por completo.
“Quem vai gostar dessa história vai ser a Maria Antônia” – pensou sorrindo na filha que iria ganhar um amigo e um animal de estimação.
¨
E foi o que aconteceu. Pouco tempo depois, quando apareceu pra tomar o seu camargo, Maria Antônia percebeu que o cordeiro estava só, abandonado a um canto. O bichinho também entendeu, de alguma forma, que ganhara uma nova mãe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário