sexta-feira, 3 de junho de 2011

O antigo retrato

A noite ia alta e o frio enregelava os ossos. Calafrios faziam o corpo estremecer. Meu avô, minha avó e meu tio estavam já recolhidos em seus aposentos. O único som que se ouvia era o do vento assobiando por entre os galhos secos das árvores próximas. Como diziam os mais antigos: noite de vento, noite dos mortos. De repente, um barulho vindo do sótão quebrou a paz silenciosa do casarão. Passos? Mas de quem, se não havia uma alma viva lá em cima?! Estalos e rangidos no assoalho de madeira davam a impressão de que alguém perambulava pelo desvão da velha casa.
Súbito o ruído cessara. Não mais pensei no que poderia estar acontecendo lá em cima e tratei logo de tentar pegar no sono. Foi quando ao som dos passos, agora mais nítidos e claros, somou-se outro ruído que fazia estremecer a casa toda, como se algo estivesse sendo arrastado de um lado a outro do sótão. Há alguém lá em cima, certamente, pensei. Depois disso, a fazenda toda se calou naquela noite fria e fustigante. Adormeci.
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Na manhã seguinte, na hora do café, minha vó perguntou-me se era eu quem havia caminhado e arrastado coisas no sótão durante parte da madrugada. Respondi-lhe que não e que também ouvira e ficara amedrontado, pensando no que poderia ser e se havia alguém ou algo lá em cima.
Fomos então tirar todas as dúvidas e tentar elucidar o ocorrido. Subi ao sótão, e ao engatinhar-me pelo vão entre o telhado e o forro, avistei algo encostado à parede, justamente de onde se originavam os sons da noite anterior. Vi logo que se tratava de um quadro. Estava coberto por uma grossa camada de poeira. Dava a impressão de que estava há séculos naquela mesma posição. A imagem representada estava virada para a parede. Arrastei-o para a luz para poder visualizar melhor. Revelou-se a imagem de um homem velho e barbudo. Era o retrato do meu tataravô, o antigo senhor daquela fazenda. Limpamos o quadro e fixamo-lo a uma parede apropriada. Passamos o dia pensando em como e porque o quadro fora parar no sítio onde estava. Ninguém sabia dizer.
Na noite seguinte e nas outras que se sucederam nenhum barulho ou ruído vindo do sótão foi ouvido.

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