sexta-feira, 22 de julho de 2011

João Antônio

A última vaca foi ordenhada e João Antônio vai tomar o seu mate ao lado do seu Juca, pai de Maria da Graça e capataz da fazenda Monte Alto. Senta-se no próprio banquinho da ordenha e acende um crioulo. A cadela Coleira permanece deitada tomando os primeiros raios do sol que, aos poucos, rompem a neblina.
João Antônio olha para o nascente e fica a contemplar a paisagem, mas o que vê mesmo é a sua própria vida. Pensa em tirar Maria da Graça dali e ir morar com ela em algum rancho. Mas esse pensamento o irrita. Não existe tal rancho, pelo menos não que seja dele. Apenas aquele velho casebre abandonado nos fundos da invernada grande que servia de abrigo ao coronel Osório nas suas andanças pelos campos.
Solta uma baforada e as ideias evaporam-se no ar com a fumaça do cigarro. Abaixa a cabeça e olha para si. Suas roupas estão que é um trapo. A calça, toda remendada, mais parece uma colcha de retalhos. Os bicos de ambas as botas estão todos arrebentados. A camisa encardida só presta para a labuta diária. Não é roupa, é apenas um pano velho que o cobre. Passa a mão direita no queixo e sente os pelos da barba de uma semana. O rascar do toque lhe dá uma sensação de desamparo e de relaxamento. “Tenho é que me endireitar! Tomar um banho e raspar esta barba...”.
Vira o rosto para a casa do patrão. A fumaça que sai pela chaminé é a prova de que Maria da Graça está na ativa. Imagina-se entrando casa à dentro e aproximando-se da amada para tomá-la em seus braços e arrancá-la dali. Nesse momento, um bem-te-vi o alerta de que o viu em seu devaneio. “Bem-te-vi... bem-te-vi...”
João Antônio volta à realidade. Balança a cabeça de um lado a outro, cospe no chão e joga o crioulo no barro umedecido da mangueira. Seu Juca, que permanecia calado bombeando a cuia, olha para o pretendente a genro e pensa em voz alta. “Até parece que anda meio avoado das ideia esse rapaz.”
João Antônio nem se dá conta das palavras do velho. Permanece absorto, olhando o nada. Lá fora, as vacas pastam calmosas. “É... o dia vai ser bom”, fala alto, mais para si mesmo do que ao outro.
Precisa levar o leite para a casa dos patrões, e essa é uma oportunidade de ver Maria da Graça e, quem sabe, trocar algumas palavras com ela. A ansiedade o põe em nervos. Todavia lembra-se de como está vestido. Isso o deixa envergonhado e ferido em seu orgulho. Mas sabe, no entanto, que Maria da Graça é da mesma classe social que a sua, mas nem por isso se livra do orgulho que tem de si.
Vai para o seu aposento e tenta dar uma arrumada nos cabelos desgrenhados. Tira a camisa esfarrapada e troca por outra, a domingueira e que só a usa nos domingos ou em ocasiões especiais. Ver Maria da Graça é uma ocasião especial. E João Antônio quer se mostrar bem para ela.

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