sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Uma distração


João Antônio sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo. Esfregou as mãos uma na outra para espantar o frio e depois, como se desse um abraço a si próprio, esfregou os braços. “Tá fria!”, murmurou. Dirigiu-se para a cozinha. Sentia fome. A ansiedade roubou-lhe o sono causando-lhe o apetite. O interior da casa estava escuro. Somente um ou outro raio da luz do luar penetrava pelas frinchas das paredes e das janelas.
Abriu a veneziana da janela da cozinha para que a lua iluminasse o interior da casa com sua luz diáfana. Procurou, naquele lusco-fusco, o pedaço de pão de milho que restara do café, mas a mulher já o havia comido pouco antes de se deitar. Restou-lhe beber um copo de leite que estava, juntamente com a panela com o resto do feijão ressequido, sobre a chapa do fogão, frio como aquela madrugada.
Suas mãos tremiam. Não sabia se por causa do frio ou do nervosismo. Mal tem dinheiro para a comida dele e da mulher e, agora, mais uma boca para alimentar e um corpo para vestir. Por sorte, sempre há algum animal para se caçar para matar a fome. João é um bom caçador, mas o coronel Osório proibiu a caça em suas terras. “Ai daquele que eu pegar caçando em minhas terras!”, disse um dia o coronel. Vez por outra João embrenha-se no mato a procura de alguma caça: um tatu, uma perdiz, um veado ou uma lebre.
Acendeu o lampião. Abriu a portinhola do fogão e ajeitou uns gravetos e um pequeno pedaço de grimpa dentro do fogão. Riscou um fósforo e a chama do pequeno palito iluminou-lhe a mão e a cara. Assoprou de modo a não apagar o fogo. Com o sopro, uma nuvem de cinzas subiu, engasgando-o. Tossiu. Permaneceu calado a ouvir o silêncio e os estalidos do fogo queimando as grimpas para não incomodar a mulher, que solta, de quando em vez, uns gemidos do aposento contíguo. Logo, o silêncio reina absoluto.
A flama aqueceu-lhe o rosto e as mãos. Por pouco não se deixou queimar. Distraiu-se com os ruídos da mulher e do silêncio da noite.

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