sexta-feira, 21 de outubro de 2011

No vão da porta


Tio Guinas é homem do campo e sabedor das coisas. Conhece as coisas do tempo e da terra. Nunca frequentou escola. Sabe ler as estrelas, a lua, o sol, o vento, o comportamento dos animais e das pessoas. Tudo o que sabe, aprendeu com a vida, reparando nela.
O velho coronel Francisco, de quem muitos suspeitam que seja filho, foi quem o ensinou algumas letras, mas mal e mal escreve o próprio nome, pois naqueles pagos, o homem do campo não carece de palavras escritas. A palavra oral é a que vale. Um homem de palavra é um homem digno e honrado. Basta não cumprir com o que foi dito para ser desrespeitado socialmente. O velho Aguinaldo Silva sempre foi homem de palavra. Daí o respeito e a admiração de todos.
Apesar da idade avançada, vez por outra ainda monta o seu tordilho, sempre ao raiar do dia, e sai a trote pelas coxilhas e pagos e dirige-se à fazenda Monte Alto, onde é sempre bem-vindo. É uma espécie de conselheiro do coronel Osório, assim como o foi do coronel Francisco.
Apesar de tio Guinas ser padrinho de batismo de João Antônio, ninguém sabe ao certo se existe algum parentesco entre os dois. Faz de tudo e mais um pouco para ajudar o afilhado, mantendo sempre os olhos atentos sobre ele. O que tiver ao seu alcance, tio Guinas faz. E de bom coração.
Ao ver o velho, para no vão da porta, o cachorro Campeão dispara. Tio Guinas permanece pensativo, “Ué... o que será que esses dois tão fazendo pr’essas bandas uma hora dessas? Será que o bacuri nasceu?”. O cão faz festa ao chegar ao amigo. Lambe-lhe as mãos, enrodilha-se todo nas pernas do velho e pula e late e esganiça de felicidade. O velho ri e brinca com o cão, “Êita, cusco velho caborteiro!” -
“Buenas, padrinho!” – grita João enquanto fecha a cancela do portão.
“Buenas! E a afilhada Maria, como vai indo?”
“Boa... E por aqui, como vão as coisas”
 “Por aqui, tudo na Santa Paz, graças a Deus.” – tio Guinas estende a mão e João Antônio pede a bênção.
“Deus le abençoe meu filho!”
E ficam os dois parados no vão da porta num silêncio típico de sítio, cada um olhando para os seus próprios pensamentos e pés.
“Mas se aprochegue, homem” – convida o velho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário